Diplomatas críticos do PT dizem que Gripen ‘argentino’ é ‘jogo de cena’

Roberto Lopes
Editor de Opinião da Revista Forças de Defesa

Um embaixador que esteve na ativa até a primeira gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e ocupou alguns dos cargos mais expressivos da carreira diplomática brasileira, desdenhou a importância da assinatura, nesta terça-feira (07.04), por autoridades dos governos de Brasília e de Buenos Aires, do documento intitulado “Declaração pela Democracia e Paz”.




O texto, firmado na capital argentina por Jaques Wagner, ministro da Defesa brasileiro, e por Agustín Rossi, ministro da Defesa argentino, menciona especificamente a abertura de negociações entre o Brasil e a Argentina para, no futuro – dentro de (no mínimo) dez anos – começar a transferir 20 caças-bombardeiros Gripen NG, fabricados pela Embraer, à Força Aérea Argentina.

A possibilidade de uma eventual cessão de caças Gripen aos argentinos é vista pelo Foreign Office (Ministério do Exterior britânico) como inaceitável – mesmo tendo as aeronaves sido fabricadas em território brasileiro. A Argentina contesta vigorosamente a soberania exercida pelo Reino Unido sobre as Ilhas Malvinas – que Londres chama de Falkland Islands. Mas esse não é o único óbice à existência de um Gripen “argentino”.

A aeronave fabricada pela SAAB sueca, que ganhou a concorrência destinada a renovar a aviação de caça brasileira – e por volta de 2020 começará a ser produzida nas instalações da Embraer –, possui uma longa lista de componentes fornecidos por indústrias britânicas. E tais equipamentos não estarão, claro, à disposição dos militares argentinos.

Imprudência 


Em Brasília, o Ministério das Relações Exteriores vem anotando, nos últimos meses, as repetidas demonstrações de desconforto do governo do Premiê David Cameron relacionadas ao assunto do Gripen “argentino”. Mas o diplomata que atuou no governo Lula e hoje é um crítico enfático da administração petista, diz que nem serão elas que vão inviabilizar o fornecimento de caças Embraer Gripen para a Força Aérea Argentina.

“A primeira equipe de governo não-petista que vier a se estabelecer em Brasília vai, ela própria, enterrar essa negociação”, diz o embaixador ouvido pelo Poder Aéreo, “que é totalmente prematura e inconveniente”.

Na verdade, não seria a primeira vez que um acordo de governo a governo entre Brasil e Argentina é descontinuado pela administração seguinte. No fim da década de 1980, a iniciativa tomada pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) de propor aos argentinos a construção de um satélite de sensoriamento remoto – consequência de uma ordem expressa do então presidente da República José Sarney –, foi discretamente descontinuada pelo governo Fernando Collor.

A assinatura da “Declaração pela Democracia e a Paz” foi o segundo ato protocolar do processo de cooperação entre os dois países no campo aeronáutico. O primeiro, no fim do ano passado, protagonizado por Rossi e pelo então ministro da Defesa Celso Amorim, estabeleceu a chamada “parceria estratégica” entre Brasil e Argentina no setor.

As repetidas démarches realizadas pelo Ministério das Relações Exteriores, em Brasília e em Londres, no sentido de tentar explicar ao Foreign Office o avanço na colaboração com os argentinos não vem sendo bem aceitas pelas autoridades britânicas.

Segundo o Poder Aéreo pôde apurar, por duas vezes este ano, representantes do Itamaraty precisaram ouvir uma enfática manifestação – verbal por enquanto – de que Londres vê “com reservas” a tal “parceria” pelo Gripen “argentino” – um comportamento do governo Dilma Roussef que os diplomatas do Reino Unido consideram “imprudente”.

Nem os argumentos esgrimidos pelos diplomatas brasileiros acerca do despreparo militar dos argentinos para encetar qualquer ação de força contra as Ilhas Malvinas têm servido para tranquilizar seus interlocutores.

“Marginal” 

Na manhã desta quarta-feira (08.04), ao terminar uma palestra sobre integração latino-americana na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, no centro de São Paulo, o ex-embaixador do Brasil em Washington durante o governo Fernando Henrique Cardoso, Rubens Barbosa, defendeu os seus colegas diplomatas:

“Se perguntarem ao Mauro Vieira [ministro das Relações Exteriores], ele também vai defender a cooperação aeronáutica com os argentinos, mas porque isso faz parte dessa estratégia de liderança que os petistas perseguem na América do Sul. Só por isso. A participação do Itamaraty é marginal nesse assunto. Isso é um programa do Ministério da Defesa”.

A Embraer, que tem no contrato com a SAAB um acordo para fabricar os caças Gripen no Brasil, também já externou, por diversas vezes, tanto ao Ministério da Defesa como ao Itamaraty, a sua preocupação com os possíveis prejuízos que o assunto do Gripen “argentino” poderia acarretar à parceria com os suecos.

Em uma dessas vezes, o próprio presidente da Embraer, Frederico Curado, tratou do tema com o então ministro das Relações Exteriores, Luiz Figueiredo, ouvindo da parte do diplomata palavras tranquilizadoras.

Contudo, agora, os próprios profissionais do Itamaraty já temem que, na tentativa de fazer Brasília entender o alcance de seu desconforto, os ingleses considerem as tratativas sobre o caça um “ato inamistoso” de parte do governo brasileiro.

O diplomata crítico aos petistas não acredita que o assunto evolua de forma tão desfavorável para as relações entre Brasília e Londres.

“Os ingleses estão só querendo marcar posição. Eles sabem que o Gripen da Embraer ainda não tem um parafuso, que é tudo jogo de cena”, resume ele.

Visita 

Mas o cuidado da administração Dilma Roussef em mostrar seu comprometimento com os argentinos é observado em outras áreas da administração britânica.

A própria Marinha Real vem percebendo: apesar de toda a vontade manifestada, ano passado, de cooperar com a modernização da Marinha do Brasil – disposição esta exposta em 2014 ao então comandante da Marinha brasileira, almirante Moura Neto, durante a visita oficial que ele fez à Inglaterra –, os brasileiros tratam os oferecimentos britânicos de navios e equipamentos, sistematicamente, com muita reserva.

Um oficial da Marinha em posição de mando argumentou para o Poder Aéreo que, normalmente, tais ofertas se tornam inviáveis por seu alto custo, mas os ingleses consideram que a postura da Força Naval brasileira reflete a preocupação de Brasília de não irritar o comportamento mercurial da presidenta Cristina Fernández de Kirchner.

Em artigo recente intitulado Los amigos que le quedan en el mundo (“Os amigos que lhe restam no mundo”), publicado no jornal La Nación, o colunista Joaquín Morales Solá revelou:

“Um diplomata europeu saiu da Chancelaria [sede da diplomacia argentina], nos últimos dias, aturdido por uma revelação. Seu interlocutor, um alto funcionário argentino, o havia notificado formalmente de uma novidade: ‘os aliados estratégicos da Argentina são China e Rússia’, disse”. E os fatos parecem confirmar essa assertiva.

No fim deste mês – menos de 90 dias depois de ter regressado de Pequim – a presidenta Cristina estará embarcando para uma visita oficial a Moscou.


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